Os mísseis FGM-148 Javelin são uma das armas anticarro mais conhecidas do mundo, celebrados por sua tecnologia de guiagem, portabilidade e eficácia em combates modernos. Em 2024, o governo brasileiro avançou no processo de aquisição desses sistemas, marcando uma modernização significativa das forças armadas terrestres.
Neste artigo, você vai entender em profundidade o projeto de compra do Javelin pelo Brasil, o orçamento estimado, as missões previstas para o sistema, as unidades que deverão operá-lo no país, suas capacidades técnicas e seu papel na doutrina militar brasileira.
O que são os mísseis FGM-148 Javelin?
O FGM-148 Javelin é um míssil anticarro portátil, desenvolvido nos EUA pela Raytheon e Lockheed Martin. Ele se destaca por sua tecnologia “dispare e esqueça” (fire-and-forget), na qual o operador pode se deslocar imediatamente após disparar, reduzindo sua vulnerabilidade.
Principais características técnicas:
- Guiagem: Infravermelha passiva com buscador IIR (Imaging InfraRed)
- Modo de ataque: Direto ou top-attack (ataque por cima)
- Alcance: Entre 65 m (mínimo) e até cerca de 4 km (modelos mais recentes)
- Ogiva: Tandem HEAT (High Explosive Anti-Tank) capaz de penetrar blindagens reativas
- Peso: Aproximadamente 22 kg (incluindo tubo de lançamento e CLU – Command Launch Unit)
Sua eficácia contra blindados modernos foi amplamente demonstrada em conflitos como o Iraque e, mais recentemente, na Ucrânia. É considerado um dos sistemas mais letais para infantaria leve e forças especiais engajadas em operações anticarro.

Histórico de interesse do Brasil
O Exército Brasileiro há anos estuda a aquisição de mísseis anticarro modernos. Até 2023, o inventário nacional era bastante limitado em sistemas de médio e longo alcance — com predominância de armas mais antigas como o AT-4 (na função de arma anticarro descartável, mas de menor capacidade) e mísseis filoguiados como o MILAN e o Eryx.
Em 2023, surgiram as primeiras informações sobre o pedido formal de venda via programa Foreign Military Sales (FMS) com o governo dos EUA. Em 31 de outubro de 2023, o Departamento de Estado dos EUA aprovou a possível venda de até 222 mísseis Javelin FGM-148 e 33 unidades CLU ao Brasil. A Defense Security Cooperation Agency (DSCA) publicou o comunicado oficial sobre a aprovação do Congresso norte-americano.
Orçamento da aquisição
O valor aprovado para essa venda foi de até US$ 74 milhões. Essa cifra inclui os mísseis e as unidades de lançamento (CLU), além das peças de reposição, treinamento, logística e suporte técnico.
É importante observar que o valor aprovado é o teto máximo autorizado — o contrato final pode ser menor, dependendo da negociação e dos pacotes opcionais. Fontes próximas ao processo indicaram que o Brasil deseja receber gradualmente os sistemas, com entregas previstas a partir de 2025.
A justificativa orçamentária apresentada destaca a necessidade de modernizar a capacidade anticarro do Exército, alinhada com o Plano Estratégico do Exército Brasileiro (PEEx) que prevê aumento da letalidade, mobilidade e capacidade dissuasória das forças terrestres.
Missões previstas para o Javelin no Brasil
O Brasil planeja utilizar o Javelin em uma série de missões específicas, reforçando a doutrina de infantaria leve, forças aeromóveis e operações especiais.
Principais missões:
- Defesa anticarro: Proteger posições estratégicas contra blindados inimigos
- Apoio à Infantaria Motorizada e Mecanizada: Fornecer fogo anticarro preciso em operações ofensivas e defensivas
- Operações Especiais: Capacidade de neutralizar veículos blindados ou pontos fortificados em cenários assimétricos
- Disuasão: Aumentar o custo de uma possível invasão ou agressão contra o território nacional
- Operações urbanas: Engajar veículos blindados em ambientes restritos, aproveitando a mobilidade e a capacidade de top-attack
A flexibilidade tática do Javelin o torna valioso em operações na Amazônia, regiões urbanas densas ou terrenos montanhosos.

Unidades do Exército que devem receber o sistema
Embora o Exército Brasileiro não tenha publicado oficialmente a lista de unidades que receberão os mísseis Javelin, analistas militares e reportagens especializadas indicam prováveis destinos:
- Brigadas de Infantaria Pára-quedista (Rio de Janeiro)
- Brigadas de Infantaria Leve (Caatinga, Selva e Montanha)
- Brigada de Infantaria Aeromóvel (Taubaté/SP)
- Batalhões de Operações Especiais (Goiânia/GO)
- Companhias orgânicas anticarro de Brigadas Mecanizadas
Essas unidades são as mais beneficiadas por um míssil portátil, leve e de alto poder de penetração, pois precisam de sistemas que combinem letalidade com transporte aéreo ou deslocamento rápido.
O uso em Brigadas de Selva na Amazônia também é cogitado, dada a necessidade de defesa de áreas remotas com acesso logístico limitado.
Poder de fogo: penetração e destruição
O Javelin é especialmente temido por sua ogiva HEAT em tandem. Ela possui duas cargas explosivas em sequência:
- Carga de precursor: Detona e neutraliza blindagem reativa
- Carga principal: Penetra blindagem homogênea (RHA) equivalente
Estima-se que o Javelin possa penetrar até 600-800 mm de aço homogêneo (após neutralizar blindagem reativa).
Outro diferencial é o modo top-attack. Nessa configuração, o míssil descreve uma trajetória parabólica para atingir o ponto mais vulnerável dos tanques: a parte superior da torre, onde a blindagem costuma ser muito mais fina.
Em cenários reais, o Javelin demonstrou neutralizar tanques modernos russos, incluindo variantes com blindagem ERA (Explosive Reactive Armor). Essa letalidade comprovada é um dos fatores que motivaram o Exército Brasileiro a buscar o sistema.
Capacidade de “dispare e esqueça”
Diferentemente de mísseis mais antigos, que exigiam o apontamento constante até o impacto (por fio ou laser), o Javelin permite ao operador travar o alvo no sensor térmico e lançar o míssil. Depois disso, o operador pode buscar abrigo ou mudar de posição imediatamente.
Essa característica é essencial para sobrevivência em ambientes onde artilharia ou fogo de contra-bateria são empregados. O treinamento com a CLU (Command Launch Unit) inclui detecção, designação de alvo e disparo rápido, reduzindo ao mínimo a exposição do atirador.
Impacto doutrinário para o Exército Brasileiro
A aquisição do Javelin não é apenas uma compra pontual — ela representa uma atualização de doutrina e treinamento.
Entre os impactos esperados:
- Revisão de manuais táticos: Atualização das instruções de emprego de seções anticarro
- Integração em exercícios combinados: Inclusão do Javelin em simulações junto a blindados Guarani, Cascavel e Leopard
- Treinamento avançado: Operadores brasileiros viajarão aos EUA para cursos específicos e depois atuarão como instrutores no Brasil
O Exército Brasileiro pretende criar núcleos de excelência no uso de mísseis anticarro, formando operadores capazes de treinar novas turmas continuamente.
Cronograma de entrega e etapas do projeto
Embora o cronograma oficial seja confidencial, as etapas típicas em contratos FMS incluem:
- Aprovação (já concluída em 2023)
- Negociação do contrato (final de 2023 / início de 2024)
- Produção e preparação logística
- Treinamento inicial de operadores brasileiros
- Entrega por lotes (a partir de 2025)
- Suporte técnico, peças de reposição e manutenção
O modelo FMS prevê longo prazo de suporte. O Exército deverá manter um fluxo contínuo de treinamento e manutenção de estoques para garantir disponibilidade operacional.
Logística e suporte
Outro aspecto importante é o suporte logístico associado. O pacote FMS inclui:
- CLUs (Command Launch Units) de última geração
- Kits de treinamento e simuladores
- Peças de reposição para mísseis e CLUs
- Documentação técnica detalhada
O objetivo é garantir a compra inicial e a capacidade de manutenção em longo prazo. As CLUs podem ser reutilizadas com novos mísseis, desde que mantidas em boas condições.
Tabela comparativa com outros mísseis usados no mundo
| Característica | Javelin (EUA) | Spike LR (Israel) | Kornet (Rússia) | MILAN (França/Alemanha) | NLAW (Suécia/Reino Unido) |
|---|---|---|---|---|---|
| Guiagem | Infravermelha passiva (fire-and-forget) | EO/IR com fibra ótica (opção fire-and-forget ou man-in-the-loop) | Laser semiautomático (SACLOS) | Fio (SACLOS) | Predição de linha de visada (Predicted Line of Sight) |
| Alcance | ~65 m – 4 km | ~200 m – 4-5.5 km | ~100 m – 5.5 km | ~400 m – 2 km | ~20 m – 800 m |
| Modo de ataque | Direto ou top-attack | Direto ou top-attack | Direto | Direto | Top-attack ou direto |
| Penetração | ~600–800 mm RHAe (após ERA) | ~700–1000 mm RHAe | ~1100–1300 mm RHAe | ~600–800 mm RHAe | ~500 mm RHAe |
| Peso do sistema | ~22 kg (CLU + míssil) | ~13–14 kg míssil + lançador ~12 kg | ~27 kg (lançador + míssil) | ~16 kg (lançador + míssil) | ~12.5 kg total |
| Custo aproximado por disparo | US$ 80.000–100.000+ | US$ 90.000–150.000+ | US$ 30.000–40.000 | ~US$ 20.000–30.000 | ~US$ 30.000–40.000 |
| Principais usuários | EUA, Ucrânia, Reino Unido, Brasil | Israel, Polônia, Espanha, Índia | Rússia, Síria, Irã, Argélia | França, Alemanha, Índia, Brasil | Reino Unido, Suécia, Finlândia, Ucrânia |
| Vantagens | Excelente mobilidade; muito fácil de usar; muito eficaz contra blindados modernos | Flexível, opção de recaptura de alvo; longo alcance; uso naval também | Simples, robusto, barato, potente, mas mais vulnerável ao contra-ataque eletrônico | Consagrado e barato, mas menos moderno | Design simples para infantaria leve; excelente em emboscadas |
Observações:
- Guiagem: Mostra se o operador precisa manter o alvo no ponto ou se pode se mover após disparo.
- Penetração: Valor aproximado em mm de aço homogêneo equivalente (RHAe), após neutralizar blindagem reativa.
- Peso: Importante para mobilidade da infantaria.
- Custo: Varia muito por contrato, lote, e versão — dados aproximados.
Comparação com sistemas existentes no Brasil
Até agora, o Brasil operava sistemas mais antigos e menos sofisticados. Exemplos:
- AT-4: arma descartável de curto alcance (até 300 m), sem guiagem
- Eryx: míssil francês de curto alcance (600 m), com fio
- MILAN: míssil guiado por fio, alcance de até 2 km
O Javelin cobre a lacuna de um sistema portátil, com guiagem infravermelha e capacidade top-attack, com alcance significativamente superior. Isso representa um salto tecnológico importante, aproximando o Brasil do padrão de armamento das forças da OTAN.
Treinamento e capacitação
O pacote prevê treinamento de operadores e técnicos de manutenção. Parte desse treinamento ocorre no exterior (EUA), com os primeiros instrutores brasileiros voltando ao país para multiplicar o conhecimento.
Os simuladores são parte essencial do processo, reduzindo o custo de disparos reais. Com eles, as tropas podem praticar a aquisição de alvo, disparo e procedimentos táticos em condições realistas.
Contexto regional e dissuasão
Outro fator relevante é o contexto estratégico sul-americano. O Brasil não enfrenta ameaça imediata de guerra convencional com blindados pesados, mas busca garantir capacidade dissuasória contra qualquer cenário de agressão.
O Exército argumenta que a capacidade de destruir tanques e veículos blindados de forma confiável aumenta o custo de qualquer invasão, reforçando a soberania nacional.
Além disso, sistemas como o Javelin podem ser decisivos em operações de paz sob mandato da ONU, em ambientes onde insurgências usam blindados leves ou fortificações improvisadas.
Perspectivas futuras
O contrato aprovado em 2023 pode ser apenas o primeiro passo. Se o sistema demonstrar bom desempenho e integração fácil à doutrina brasileira, existe possibilidade de compras adicionais.
A longo prazo, o Exército também avalia complementar sua capacidade anticarro com:
- Sistemas sobre veículos blindados (mísseis Spike ou similares)
- Sistemas anticarro guiados por laser
- Modernização de unidades anticarro das brigadas mecanizadas
Em conjunto, essas aquisições reforçam o conceito de forças terrestres modulares, letais e altamente móveis, capaz de atuar em diferentes ambientes do território brasileiro.
A compra dos mísseis Javelin marca uma virada na capacidade anticarro do Exército Brasileiro. Com tecnologia de ponta, alcance expandido, guiagem infravermelha e modo top-attack, o sistema coloca o Brasil em um novo patamar de dissuasão e capacidade de defesa.
Com orçamento estimado em US$ 74 milhões, o contrato inclui não só os mísseis e lançadores, mas todo o suporte técnico, treinamento e peças de reposição para garantir operação prolongada.
Se bem integrada, essa capacidade fortalecerá as brigadas aeromóveis, paraquedistas, de selva e operações especiais, além de reforçar a segurança de fronteiras e a soberania nacional. Para o futuro, resta acompanhar o cronograma de entrega, a adaptação doutrinária e os eventuais planos de expandir ainda mais o poder de fogo anticarro das forças armadas brasileiras.

