No turbulento cenário político do Brasil imperial, a década de 1830 ficou marcada por uma série de revoltas regionais que desafiaram a centralização do poder e evidenciaram as profundas desigualdades sociais e econômicas do país.
Uma dessas revoltas foi a Sabinada, ocorrida na Província da Bahia entre 1837 e 1838. Mais do que uma simples rebelião, foi uma expressão da insatisfação popular com o governo central e uma tentativa de consolidar um novo projeto de nação.
Contexto histórico: um Império em crise
Após a abdicação de Dom Pedro I em 1831, o Brasil mergulhou em um período de instabilidade política e institucional. Com a menoridade de Dom Pedro II, o país foi governado por regentes — o chamado período regencial — que enfrentaram enormes dificuldades para manter a unidade do Império. Em diversas províncias, elites locais e camadas populares passaram a contestar o poder central, exigindo maior autonomia ou, em alguns casos, a completa separação.
Na Bahia, essa instabilidade era agravada por um cenário social tenso. A província havia sido um importante centro escravista e ainda carregava os traumas da Revolta dos Malês, um levante de escravizados muçulmanos ocorrido em 1835. Ao mesmo tempo, a elite baiana ressentia-se da centralização do governo e da nomeação de autoridades vindas de fora da província. Esse conjunto de fatores criou um ambiente propício para a eclosão de uma revolta.
Quem foi Sabino Barroso?
O nome “Sabinada” deriva de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira Barroso, médico, jornalista e político baiano que se tornou a principal liderança do movimento. Sabino representava a ala liberal radical da sociedade baiana e acreditava em reformas profundas, como a abolição da escravidão, a autonomia provincial e a instauração de uma república.
Ao lado de outros intelectuais e militares, Sabino passou a articular um movimento contra o governo regencial, unindo tanto setores da elite descontentes quanto camadas médias urbanas — sobretudo militares, estudantes, profissionais liberais e comerciantes.
Os objetivos da Sabinada
Diferentemente de outras revoltas regenciais, como a Cabanagem ou a Farroupilha, a Sabinada não tinha como objetivo imediato a separação definitiva da Bahia do Brasil. Seu principal plano era instaurar uma República Bahiense provisória, que seria mantida até a maioridade de Dom Pedro II. A ideia era esperar o imperador atingir a idade legal e, então, retornar ao sistema monárquico — mas com garantias de maior autonomia provincial e reformas sociais.
Os sabinos também defendiam o fim do alistamento obrigatório, o combate à influência de autoridades nomeadas pela Corte e a valorização dos interesses locais. Havia, ainda, setores mais radicais que pregavam a abolição da escravidão e reformas mais profundas, embora essas propostas não tenham sido amplamente adotadas por toda a liderança do movimento.
A eclosão da revolta
A revolta começou oficialmente em 6 de novembro de 1837, quando os sabinos tomaram a cidade de Salvador e proclamaram a República Bahiense. O governo provincial foi deposto, as tropas fiéis ao Império foram expulsas e uma junta revolucionária assumiu o controle da capital.
A adesão inicial foi significativa entre os militares, intelectuais e parte da população urbana. No entanto, os líderes sabinos enfrentaram dificuldades para expandir o movimento para o interior da província, onde o controle ainda era exercido pelas forças imperiais e pelas oligarquias locais.
Um dos motivos para essa limitação foi o receio das elites rurais quanto à radicalização do movimento e ao possível avanço de propostas abolicionistas. A lembrança recente da Revolta dos Malês também provocava medo entre os setores conservadores da sociedade.
A repressão imperial
Diante da ameaça à unidade do Império, o governo regencial agiu com rapidez e firmeza. Tropas imperiais foram enviadas à Bahia sob o comando do marechal Francisco de Lima e Silva, pai do futuro Duque de Caxias. Ao longo de semanas, Salvador foi cercada por mar e por terra, sendo submetida a um rígido bloqueio.
O cerco se estendeu por mais de dois meses, e as condições dentro da cidade se deterioraram rapidamente. Faltavam alimentos, munições e medicamentos. Enfraquecidos e isolados, os sabinos resistiram até março de 1838, quando as forças imperiais invadiram Salvador e colocaram fim à revolta.
A repressão foi brutal. Estima-se que cerca de 1.200 pessoas morreram durante os combates ou em decorrência da fome e das doenças. Centenas foram presas, deportadas ou executadas. Francisco Sabino foi capturado e exilado, sendo posteriormente transferido para o Mato Grosso, onde morreu em 1846, vítima de febre-amarela.
Os principais nomes da revolta
Além de Sabino, outros personagens desempenharam papéis importantes no movimento:
- João Carneiro da Silva Rego: comandante militar da revolta em Salvador, responsável pela articulação das forças sabinas.
- Padre Roma: figura influente na articulação política do movimento, defensor da república provisória.
- Miguel Calmon du Pin e Almeida: político e diplomata que, embora não fosse sabino, participou ativamente das discussões que cercaram o conflito.
Esses líderes formaram um núcleo que buscava promover reformas no âmbito regional, rompendo com os ditames do centralismo imperial e valorizando as demandas locais.
Impactos e consequências da Sabinada
Apesar da derrota, a Sabinada teve um impacto profundo na história política brasileira. Ela evidenciou as tensões entre o centro e as províncias e mostrou que parte significativa da elite e da classe média urbana desejava mudanças estruturais.
Politicamente, o movimento reforçou a necessidade de centralização por parte do governo regencial, que passou a endurecer as medidas contra outras revoltas em curso no país. O medo de uma fragmentação do Brasil motivou a aceleração da maioridade de Dom Pedro II, proclamada em 1840, como uma tentativa de restabelecer a estabilidade e a autoridade do Império.
Socialmente, a Sabinada revelou o abismo existente entre as aspirações dos setores médios urbanos e os interesses da elite agrária, que se manteve fiel ao Império. A falta de apoio popular, especialmente entre os escravizados e a população mais pobre, foi um dos motivos da queda do movimento, que não conseguiu consolidar uma base sólida de sustentação.
Curiosidades e legados
- O nome “Sabinada” foi originalmente usado de forma pejorativa pelos opositores do movimento, em referência a Francisco Sabino. Com o tempo, passou a ser adotado como o nome oficial da revolta.
- Embora o movimento defendesse reformas importantes, como o fim do alistamento obrigatório e maior autonomia, ele não conseguiu articular com clareza propostas de inclusão social para os setores populares e escravizados.
- A memória da Sabinada permaneceu viva na história da Bahia, sendo resgatada por diversos movimentos republicanos e democráticos nos séculos seguintes.
- Salvador, por ser uma cidade portuária e urbanizada, teve um papel singular no movimento, diferente de outras revoltas que tiveram forte presença rural, como a Balaiada e a Farroupilha.
Comparações com outras revoltas
A Sabinada pode ser comparada a outras revoltas regenciais em termos de motivações e desfechos. Como a Cabanagem no Pará e a Balaiada no Maranhão, ela expressava insatisfações locais com o governo central. No entanto, ao contrário dessas, que envolveram amplamente camadas populares e até mesmo indígenas, a Sabinada foi liderada por uma classe média urbana, com ideias mais próximas do liberalismo do século XIX europeu.
Já em relação à Revolução Farroupilha, ocorrida no Sul, a Sabinada se diferencia pelo seu caráter mais urbano e por sua curta duração. Enquanto os farrapos resistiram por uma década, os sabinos foram derrotados em poucos meses, sem conseguir apoio externo ou formar alianças duradouras.
A Revolta Sabinada foi uma expressão clara do desejo de mudança que atravessava o Brasil do século XIX. Seu fracasso não diminui sua importância histórica: ela revelou as fissuras do projeto imperial, as ambições de autonomia das províncias e a dificuldade de unir elites, classes médias e setores populares em um projeto comum.
Francisco Sabino e seus companheiros pagaram com a vida e a liberdade por ousarem sonhar com uma república mais justa, ainda que provisória. Sua memória permanece como símbolo da resistência e da busca por um Brasil mais livre e igualitário — uma luta que, em muitos aspectos, ainda continua nos dias de hoje.

